Testes rápidos de anticorpos não têm garantia de precisão, afirmam estudos

Pesquisadores alertam que exames podem gerar erros nas estimativas dos levantamentos epidemiológicos.

Foto: Reprodução

Os testes rápidos sorológicos (de anticorpos) do Sars-CoV-2 em uso no mundo não têm garantia de que são precisos, afirma a maior revisão sistemática sobre esses exames já realizada. Publicada esta semana na revista British Medical Journal (BMJ), a análise avaliou 40 estudos internacionais sobre a acurácia de testes rápidos, divulgados até 30 de abril e concluiu que não existe comprovação consistente de sua eficiência. 

Até que a sua eficácia seja comprovada, os pesquisadores alertam que esses testes podem gerar erros nas estimativas dos levantamentos epidemiológicos e não se adequam ao diagnóstico da covid-19. “Estudos de qualidade que assegurem a acurácia de testes sorológicos para a covid-19 são urgentemente necessários. Atualmente, as evidências existentes não sustentam a continuação do uso dos testes-rápidos sorológicos existentes”, diz a análise na BMJ.

O estudo “Acurácia do diagnóstico de testes sorológicos para a covid-19: revisão sistemática e meta-análise” foi realizado por uma equipe internacional, cuja principal autora é a infectologista brasileira Mayara Lisboa Bastos, atualmente na Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, e doutoranda do Instituto de Medicina Social da UERJ.

Além dos testes rápidos a partir de uma gota de sangue da ponta do dedo, também foram analisados os testes do tipo Elisa e os ensaios de quimioluminescência (feitos em laboratório), mas foram os resultados dos primeiros que acenderam o sinal de alerta. Os resultados mostram uma sensibilidade mais baixa dos testes rápidos.

Foram analisadas pesquisas realizadas na China (cerca de 80%), Estados Unidos e Europa. Essas pesquisas abordam testes maciçamente em uso no mundo, inclusive no Brasil.

“O maior problema não é a sensibilidade menor. Nossa revisão mostrou que os estudos são heterogêneos, não há rigor metodológico, portanto, as evidências não têm a qualidade esperada. Precisamos de estudos de qualidade”, destaca Mayara.

O estudo liderado por Faiz Ahmad Khan, também da McGill, surgiu da preocupação com a verdadeira enxurrada de testes rápidos despejados no mercado nos primeiros meses da pandemia.

Decidiu então reunir um grupo para reunir e analisar as pesquisas usadas na avaliação dos testes. Isso é feito por meio de métodos estatísticos. Estes, por sua vez, não estão isentos de problemas, mas dão uma noção do comportamento geral dos testes.

 Mayara explica que os estudos usados para avaliar os testes não são representativos da população. Esses testes são concebidos para serem feitos com uma gota de sangue do dedo, sem nenhum preparo (centrifugação, por exemplo). Em muitos estudos, os testes rápidos foram avaliados em laboratório, em amostras muitas vezes armazenadas, que sofreram processamento, e não em gotas de sangue fresco ‑ em outros, não havia esta informação. Apenas dois foram testados em campo, isto é, fora de laboratório.

“Uma coisa é você testar em condições controladas de laboratório, outra no dia a dia de unidades básicas de saúde ou por operadores não treinados. Tudo isso tem que ser avaliado”, observa Mayara.

Também autora da revisão na BMJ, a pesquisadora Anete Trajman, professora visitante da McGill e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembra que países como os EUA e o Brasil aprovaram esses testes rapidamente frente à imensa demanda da pandemia.

“A urgência era compreensível, mas precisamos de garantia de qualidade, de testes que comprovam que são confiáveis”, enfatiza Anete.

Segundo ela, fatores como leitura de resultados, resistência do kit, período de aplicação têm impacto na acurácia.

“Por exemplo, observamos que a sensibilidade aumenta muito se o teste é feito após duas semanas do início dos sintomas, nos estudos onde havia esta informação. Mas nem sempre o momento da coleta do sangue foi informado”, acrescenta Anete.

Mayara alerta ainda para o uso de testes de anticorpos em diagnóstico ou para avaliar se uma pessoa pode ou não transmitir ou contrair o coronavírus:

“Não sabemos por quanto tempo os anticorpos permanecem e podem nos proteger. Testes de anticorpos não são atestados de imunidade. São instrumentos de epidemiologia, para monitorar a epidemia”.

As cientistas observam que a análise se refere a testes avaliados até o final de abril.

“Muitas pesquisas devem ser publicadas nos próximos meses, mas é preciso que sejam feitos estudos de qualidade, para que se possa confiar nos resultados”, destaca Anete.

Redação Tem com O Globo



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