Cervejinha e barzinho: Por que o brasileiro ama falar no diminutivo

Eu estava no Brasil havia menos de 24 horas quando me revelaram um segredinho. Em um barzinho, quando o sol se punha, um novo amiguinho brasileiro que conheci no meu hostel no Rio de Janeiro tinha uma garrafa gelada de cerveja Antarctica na mão.

adolescentes jogam bola dentro do mar no Rio de Janeiro

Para algumas pessoas, hábito dos brasileiros de falarem coisas no diminutivo vem da infância – Getty Imagens

Conversando sobre a noite que teríamos pela frente, ele nos serviu a bebida e me disse: “Se você quiser falar com uma garota hoje à noite, não a chame para tomar uma cerveja; pergunte se ela gostaria de uma cervejinha. Ela vai adorar se você usar essa palavra”.

E foi assim que fui apresentado à fofa, porém complicada conversinha brasileira.

Não falo daqueles papinhos gentis sobre o tempo, mas do hábito que os brasileiros têm de usar diminutivos para dar um charme às suas frases, adicionando o sufixo inho/inha ou zinho/zinha.

Para muitos brasileiros, é como se uma montanha de diminutivos mudasse o sabor de suas palavras nesse processo.

Bondinho do Pão e Açucar no Rio

No Rio de Janeiro, o teleférico do Pão de Açúcar é chamado de bondinho; o diminutivo também é usado para batizar favelas como a da Rocinha – Getty Imagens

Lembrança da infância

A meteorologista Carine Malagolini, de São Paulo, diz que os diminutivos são uma forma de conversa infantil que os brasileiros nunca deixaram para trás.

“Usamos muitos diminutivos e muitas vezes sem perceber. Eu acho que o uso deles veio da infância, porque nós ouvíamos e conversávamos assim com nossos pais. Por exemplo, eles perguntavam ‘Você quer uma bananinha?'”, diz.

Literalmente, os inhos e inhas fazem as coisas serem menores, efetivamente suavizando uma palavra, tornando-a fofa e gentil. E enquanto em inglês diminutivos são vistos como algo infantil (gatinho, cãozinho, mamãezinha), todo mundo no Brasil, de políticos a médicos, utiliza-os sem qualquer indício de ironia.

Para um país tão famoso por suas grandes coisas – a Amazônia, o Cristo Redentor e o Carnaval – o Brasil pode, de uma forma engraçada, ser considerado a terra dos diminutivos.

Praticamente nenhuma palavra está imune à diminuição.

mulheres riem em um banco de parque

Para o linguista Marcos Bagno, o uso do diminutivo traz uma sensação de bondade e afeição às coisas e pessoas – Getty Imagens

Contexto é importante

Mas logo descobri que os diminutivos podem acrescentar todo tipo de significado oculto que pode fugir à percepção de um estrangeiro.

Contexto é tudo nessa dança linguística. Como meu novo amigo brasileiro depois me explicou, usar “cervejinha” em vez de “cerveja” implicava um convite inocente e amistoso, sem nenhuma intenção de se embebedar até tarde da noite e tudo o que isso envolve. “Genial”, pensei. “Um sufixo pode dizer tudo isso?”

O linguista da Universidade de Brasília Marcos Bagno explica: “O diminutivo em ‘inho’ e ‘inha’, além de indicar o tamanho pequeno de algo, traz uma sensação de bondade e afeição – muito característicos do espírito brasileiro”.

Casal tomando cerveja

O brasileiro adora chamar alguém para tomar uma cervejinha – e normalmente esse papo se estende até altas horas – Getty Imagens

A advogada Suzana Vaz, do Rio de Janeiro, é uma das muitas brasileiras que adoram usar diminutivos. Antes de falarmos deste hábito linguístico, ela admitiu que nunca tinha realmente notado o quanto ela os usava. E explicou que “pessoas doces geralmente falam assim”.

“Então, quer dizer que você é doce ou que os brasileiros são em geral?”, perguntei.

“Os brasileiros são mais calorosos, amorosos. Eles gostam de contato, do corpo a corpo. Eles são vivazes. Falar no diminutivo é uma forma de carinho na maior parte do tempo, é a suavidade na fala “, disse ela.

Esperar um minutinho é uma eternidade

O engraçado dos diminutivos no Brasil é que eles muitas vezes suavizam tanto o significado das palavras que acabam dando a elas um sentido oposto.

Como quando minha namorada brasileira me pediu para “esperar só um minutinho” enquanto ela se arrumava. Depois de esperar mais 15 desses alegados pequenos minutos, perguntei como ela poderia dizer um “minuto” como “um minutinho” com a consciência tranquila.

“Mas isso faz com que esses minutos passem mais rápido”, ela me assegurou com um sorriso amoroso, o diminutivo saindo de sua língua como se pudesse dobrar o tecido do espaço e do próprio tempo.

Ronaldinho Gaucho jogando pela seleção brasileira

O diminutivo também está presente no nome e apelido das pessoas; ao pensar no futebol, lembre-se dos Ronaldinhos, Fernandinhos e Juninhos jogadores – Getty Imagens

Da mesma forma, uma vez fui convidado para uma festa em uma “casinha”. Algum tempo depois, meu Uber estacionava em frente a uma mansão de quatro andares com uma piscina.

“Bela ‘casinha'”, eu disse ao dono. “Ah, sim”, ele riu. “Isso não significa que a casa é pequena, significa que é um lugar aconchegante onde você deve se sentir confortável e bem-vindo.”

E no verdadeiro estilo brasileiro, em meio a uma noite de risadas e dança com um bando de estranhos, me senti em casa.

E apesar do que eu disse anteriormente, a chamada “cervejinha” normalmente se transforma em uma mesa cheia de garrafas vazias no fim da noite.

Com exemplos como esses se acumulando, comecei a entender o fato de que usar diminutivos no Brasil pode ser tanto uma maneira divertida de falar quanto literal.

O professor de português Jean Fonseca, da escola de idiomas Caminhos, nota que há casos de diminutivos que se transformaram em outras palavras.

Camisa é a palavra para a peça de roupa em português, então, camisinha naturalmente levaria você a acreditar que é uma camisa menor. Errado. No Brasil, camisinha é, na verdade, o nome popular do preservativo para o sexo. “[O nome camisinha] foi usado como uma estratégia para popularizar o preservativo entre as pessoas”, fala Fonseca.

“O nome original de ‘preservativo’ foi apelidado de ‘camisa de Vênus’ por causa da deusa romana do amor. E aí se tornou ‘camisinha’.”

Café com pão de queijoDireito de imagemJANTROYKA/GETTY IMAGES
Image captionÉ comum ouvir alguém dizendo que vai tomar um cafezinho

Poder de mudar as coisas

Mas os diminutivos no Brasil também têm seu lado subversivo. Tal é o seu poder que eles podem fazer algo ruim soar como algo bom, algo rude soar como algo agradável e algo chato soar como algo divertido.

Em nenhum lugar eu notei brasileiros tirarem mais proveito disso do que com apelidos.

Descobri isso quando visitei a pequena cidade costeira de Rio das Ostras, a algumas horas de carro do Rio. É um lugar onde gringos loiros como eu não são tão comuns, me transformando um pouco em uma novidade.

Enquanto conversava com uma moradora local sob as árvores frondosas de um quiosque à beira-mar devorando pastéis de carne deliciosamente crocantes, ela disse que sempre quis conhecer seu próprio Gasparzinho. “Um o quê?”, perguntei, incapaz de decifrar prontamente esse diminutivo.

Ela pegou o celular, foi até as imagens do Google e tirou uma foto de Gasparznho, o fantasma do desenho infantil. Eu comecei a rir.

Ser chamado de branco fantasmagórico pode não ser o maior elogio para um australiano, mas era mais fácil aceitar isso quando falado dessa maneira.

Diminutivos também podem ser pejorativos, dependendo do nível de maldade na língua.

Como o linguista Bagno me disse: “Também pode ser uma maneira de menosprezar uma pessoa”, observando que os alunos se referem a um professor de quem não gostam como “professorzinho”.

Os brasileiros também usam diminutivos para se safar, como uma maneira indireta de dizer algo não totalmente lisonjeiro.

O exemplo mais famoso disso é o bonitinho/a.

No começo, imaginei que isso era um elogio e, dependendo da situação, pode mesmo ser. Mas no léxico brasileiro também é transformado para se referir a alguém que talvez não seja o mais bonito da sala, mas que tenha seu próprio charme.

Pode ser o jeito que uma mulher diz “ele é um cara legal, mas eu não estou interessada”, ou “bonitinho, mas mais como irmão”.

Um dos escritores contemporâneos mais famosos do Brasil, Luís Fernando Veríssimo, resumiu toda essa situação confusa em seu ensaio “Diminutivos”, quando escreveu sobre a “obsessão de seu país de reduzir tudo à menor dimensão, seja café, cinema ou vida”.

“O diminutivo é uma maneira afetuosa e cautelosa de usar a linguagem. Carinhoso porque costumamos usá-lo para designar o que é agradável, aquelas coisas tão afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido. E cauteloso porque também o usamos para desarmar certas palavras que, em sua forma original, são muito ameaçadoras”, escreveu.

O que eu aprendi durante o meu tempo no Brasil é que você não pode levar esses diminutivos ao pé da letra, literalmente, mas deve usá-los à vontade.

Quando faz isso, está realmente no caminho certo para falar como um brasileiro.

E se você estiver no Brasil procurando praticar esse tipo de conversinha fofa, mas complicada, lembre-se do primeiro passo: peça a eles para fazerem isso com uma cervejinha. Praticamente ninguém no Brasil dirá não a isso.

Lost in Translation é uma série da BBC Travel que explora encontros com idiomas e como eles são refletidos em um lugar, em pessoas e na cultura.

Da BBC - Ian Walker



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