Os evangélicos que defendem o “Regime Militar”

É sabido que pastores evangélicos de várias denominações apoiaram a Ditadura Civil Militar de 1964. Muitos deles apoiaram abertamente, enquanto outros, disfarçadamente, como o demônio que age sorrateiramente na calada da noite. Os documentos que foram enviados para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em Genebra, pelo franciscano Dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright,  retornaram ao Brasil e foram estudados e publicizados pela Comissão da Verdade, revelando muitos nomes de pastores e membros leigos que estavam trabalhando para o DOPS (Departamento Ordem Política e Social). Assim, familiares de muitos desaparecidos e perseguidos/torturados políticos descobriram que os denunciantes foram seus pastores e “irmãos/ãs” de fé.

Nada justifica o apoio dado naquele momento aos ditadores, torturadores e assassinos, muito menos em nome do evangelho, mas ainda assim, podemos pensar que havia menos acesso às informações rápidas como atualmente, muitos deles apoiaram simplesmente em nome da “neutralidade” sobre questões políticas, outros por absoluta ignorância e embotamento por causa dos discursos construídos. No entanto, muitos deles estavam cientes e concordavam com tudo que ocorria nos porões do DOPS e da OBAN (Operação Bandeirante).

Depois de tudo que já fora escrito, pesquisado, denunciado com provas documentais cabais não é razoável, ou mesmo lógico, afirmar que a Ditadura não torturou, perseguiu e matou indiscriminadamente. Esse discurso reformista age pela negação, mas sem comprovação alguma, semelhantemente àqueles que negam as atrocidades do nazismo. No caso brasileiro, relatos de sobreviventes torturados, sequelados física e emocionalmente, cemitérios clandestinos descobertos com ossadas comprovadamente de militantes contrários ao regime ditatorial, instituições da sociedade civil brasileira e internacional denunciando as atrocidades deste período com base em documentos oficiais, são inquestionavelmente provas do horror da Ditadura. Desta feita, torna-se indesculpável aquele ou aquela que defende a Ditadura Civil militar como opção.

A título de exemplo, vejamos alguns relatos:

Foto: José Patrício / Estadão

Leia: Relato de Anivaldo Padilha, torturado e exilado político, denunciado pelo próprio pastor metodista.

Leia: Reportagem da revista ISTOÉ sobre os evangélicos no período da Ditadura.

Cenas de tortura no pau-de-arara e choques elétricos. Filme Batismo de Sangue que narra a história do Frei Beto e outros jovens perseguidos, torturados e mortos.

Depoimento de Eny Moreira sobre a tortura e morte de Aurora Maria do Nascimento Furtado.

Depoimento de tortura de Rose Nogueira, jornalista do Folha da Tarde.

Assim, elogiar, defender, exaltar, clamar pela Ditadura e pelos Ditadores é estar conivente com todas as mortes, com todas as torturas e todas as barbáries. É rasgar a Constituição Federal de 1988 e assinar a carta antidemocrática e desumana. E, para os cristãos é ignorar os ensinamentos do Deus que se revela como amor e assumir a maldade.

Torna-se indesculpável um pastor evangélico que faça aclamação à Ditadura Militar e depois ora pedindo bênçãos a Deus, dizendo-se adorador de Jesus, o Cristo Libertador. Torna-se contrassenso ele querer liberdade religiosa, declarar palavras de amor a/de Deus, orar pela paz, mas divulgar o ódio e o preconceito contra muçulmanos, espalhando notícias falsas, portanto, praticando a mentira que é “filha do Diabo”.

Torna-se uma aberração que ele venere Jesus de Nazaré, que foi condenado e morto sob acusação de banditismo e agitador, mas ao mesmo tempo peça pena de morte e elogie a morte de outras pessoas que estão à margem da sociedade, que praticam crimes. Prega que o amor de Deus salva, redime do pecado, produz arrependimento e transformação, mas xinga e condena os refugiados do oriente médio como se eles fossem terroristas. É o limite da desumanização e o fim dos ideais humanistas.

Em Londrina-PR, temos alguns pastores evangélicos que reproduzem tais bestialidades. Há, entre eles, quem estimule o ódio contra aqueles que pensam politicamente diferente, demonizando e atribuindo todo o mal sócio-político e econômico a determinado grupo ou indivíduo, assim como os nazistas fizeram com os judeus na Alemanha no período que antecedeu o holocausto. Há também quem diga que, se fosse do alto comando do Exército, já teria iniciado a Ditadura. A partir disso, percebemos que a defesa de todas as desumanidades relatadas nos depoimentos acima é racionalmente esclarecida, ou seja, não se pode falar em inocência.

Tais pastores, legitimados pelo discurso da consagração espiritual e representação divina, pregam uma mensagem apocalíptica destruidora que tem um efeito de sentido aterrorizante, causando medo e revolta nos ouvintes. O medo, portanto, é um mecanismo ideológico utilizado para controlar as mentes e direcionar politicamente. Max Weber, sociólogo alemão, já dizia que o medo é parte do mecanismo de dominação.

Para saber mais sobre a Comissão da Verdade veja a entrega do Relatório da Comissão da Verdade em 10/12/2014, clicando aqui.

Edson Elias

Inquieto, curioso e em processo constante de desconstrução e reconstrução. Vivo a contradição do humanismo cético e a religiosidade por meio da racionalidade. Procuro compreender e refletir sobre a realidade social e política para melhor atuar e desvelar os falseamentos, contradições e assimetrias. Refletir criticamente é uma subversão, pois tem a capacidade de questionar a ordem estabelecida das coisas que tendem a ocultar as relações de poder, controle e dominação.

Doutorando em Ciências Sociais (UNESP-Marília); Mestre e Graduado em Ciências Sociais (UEL-Londrina); Professor na área de Sociologia e pesquisador na área de Sociologia da Religião.


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