Casos de feminicídio crescem 22,2% no Brasil durante a quarentena

Diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que realizou o estudo, reflete sobre o agravamento da violência contra a mulher em meio à pandemia de covid-19.

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Os efeitos colaterais da pandemia são múltiplos e ampliam o drama de mulheres em situação de risco na própria casa. O estudo “Violência Doméstica durante a pandemia de Covid-19”, em sua segunda edição, feita via Lei de Acesso à Informação, analisou o aumento de denúncias em 12 estados, os que têm o número 180 como socorro para casos tipificados como feminicídio. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pedido do Banco Mundial, levantou em 22,2% o avanço do número de casos de feminicídio no país em março e abril. O número foi de 117 para 143 no bimeste março-abril.

No Ceará, o número dobrou, em relação aos dados da Secretaria de Segurança no mês anterior. No Acre, o crescimento foi de 300%. Em contrapartida, as denúncias presenciais de assédio e violência sexual despencaram, visto que as delegacias também foram englobadas nas regras de isolamento. Um outro dado, do grupo Justiça de Saia, coordenado pela promotora paulista Beatriz Acciolly, indicou, em um mês, pedido de socorro de 600 mulheres, com medo de serem mortas em casa.

Samira Bueno, diretora executiva do Fórum, fala sobre o agravamento dos feminícídios em época da pandemia mais grave da História do país: 

CELINA: A senhora vê o isolamento como fator para o recrudescimento dos casos de feminicídio nos estados analisados? 

Samira Bueno: Sim. A coleta de dados em meio ao processo de crescimento da Covid nos mostra um aumento das denúncias virtuais, ao 180. Há um crescimento com relação a março e abril do ano passado. Todos os países que passaram pela pandemia viram esses números crescerem. No Brasil, ainda há o agravamento de que a gente vê a violência contra as mulheres e o feminicídio crescendo nos últimos três anos. É inegável que a pandemia exige medidas para acabar com a vulnerabilidade doméstica. Metade dos feminicidios são íntimos, feitos por parceiros e ex-parceiros.

A senhora considera que os casos de feminicídio seguem minimizados no país? 

Sim. É visto como problema doméstico. É aquela velha leitura de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Num período de confinamento esse drama ganha novos contornos. Dados do Justiça de Saias mostram que das 600 mulheres que recorreram aos canais de denúncia criados pelo grupo, 40% ficaram desempregadas na pandemia e 40% ganham menos de um salário mínimo. Grande parte é responsável por prover a casa. E, para mostrar o grau de controle que os homens tentam estabelecer, 25% das mulheres disseram que seus maridos têm acesso a seus celulares.  

As relações com os parceiros acabam afetadas… 

Não é apenas o isolamento social que causa o conflito. A pandemia também afetou a economia. Em geral, o marido e a mulher ficaram sem emprego. Cresceu o consumo de bebidas alcoólicas, em um período de grande ansiedade, o que amplia a violência. Camadas de vulnerabilidade vão se juntando. As habitações são pequenas, muitas em um único cômodo. O conflito acaba explodindo.  

O número de casos pode estar subestimado porque as delegacias estão fechadas em alguns estados? 

No caso do feminicídio, não. Porque o registro sempre tende a ser virtual.  Muitas vezes, elas não conseguem ir à delegacia. Em São Paulo, por exemplo,  98% das vítimas de feminicídio não têm nem boletim de ocorrência contra o agressor. São fragilidades graves. Para solicitar medida protetiva de urgência, ela precisa ir à delegacia. Mas nunca buscaram autoridades policiais. Muitas têm filhos na relação.

Os registros de violência sexual, por outro lado, caíram drasticamente… 

É preciso um olhar cuidadoso sobre esses números. Se elas estão morrendo mais, a conta não fecha. Muitas mulheres vítimas de assédio, de violência sexual na rua, de estupro não estão indo às delegacias.  

Como se evita a expansão do feminicídio nesse período? 

É a pergunta de um milhão que outros países estão tentando resolver. Espanha e Itália locaram quartos de hotéis para prevenir violência doméstica, uma espécie de casa abrigo. A gente tem casa abrigo em São Paulo para mulheres, agora estão atendendo pessoas em situação de rua. Temos que encontrar outras soluções para elas. Na Espanha, tinha uma palavra-chave sobre o fato de estar sendo alvo de violência que era dita em farmácias. Havia uma rede de proteção em favor das mulheres no auge da Covid. Em São Paulo foi criada uma delegacia eletrônica para mulheres, depois da pandemia. Perceberam que elas não estavam chegando às delegacias. São cinco delegadas. Isso foi em março. Temos que ser capazes de adotar medidas protetivas, porque não temos previsibilidade de quando isso acaba. Não existe vacina, nem medicamento comprovadamente eficaz. A questão é como a gente resgata essas mulheres. Outro ponto é que a gente não tem ideia do que ocorre com as crianças vítimas de violência sexual nesse período. Os professores é que costumam denunciar. Mas estamos sem aulas.

Redação Tem com O Globo