‘O presidente não quis me ouvir’: previsão de Mandetta se confirma em julho
Em entrevista para a Revista VEJA, ex-ministro da Saúde lamenta que suas previsões mais sombrias estejam se confirmando.
Na últimas semanas, Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, vem dando os arremates finais em um livro em que contará sua experiência no Ministério da Saúde (a obra deve ser lançada no segundo semestre). Na entrevista a seguir, Mandetta relembra os principais atritos com o presidente e lamenta que suas previsões mais sombrias estejam se confirmando.
Por que acha que o presidente não mudou o discurso negacionista?
Comigo ele tinha uma situação de recusa, não queria ouvir, não queria saber. Fechou-se no mantra de “preciso cuidar da economia”. Tinha de ter entendido a gravidade do caso.
No governo, o senhor fez previsões de que chegaríamos em julho a 60 000 mortes, como acabou acontecendo.
Tudo foi dito ao presidente, mas ele começou a se assessorar de pessoas externas, que falavam exatamente o que ele queria ouvir. Teve um ex-deputado que falou que seriam 1 000 óbitos.
Essa é uma referência ao Osmar Terra?
É, o Osmar era quem mais capitaneava essa tese. Lembro de dizer que quem fizesse previsão dessa doença com base em outras epidemias iria quebrar a cara. E quebrou.
O que poderia ter sido feito de diferente?
No início, tínhamos de fazer aquele “segura todo mundo” para aumentar a capacidade do sistema de atendimento. Se tivéssemos atravessado abril e parte de maio segurando bem o Brasil inteiro, todo mundo falando a mesma língua, seria diferente. Mas o que a gente viu foi o governo federal se retirar do assunto, largando governadores e prefeitos a reboque do vírus. Ficamos à deriva.
As flexibilizações das quarentenas estão ocorrendo na hora certa?
Os governantes estão desistindo de salvar vidas. Não estou vendo flexibilização com critério. E tem gente falando em liberar comércio e liberar academia nessa situação. Isso só vai aumentar a fila da desassistência. As cenas de bares lotados no Rio são lamentáveis.
Ninguém está fazendo direito essa liberação?
São Paulo está fazendo uma coisa muito técnica. Abrem um pouco e param, medem para ver se a epidemia está voltando. São Paulo não está tendo mortes por desassistência e está gradativamente dando seus passos, o que é louvável.
O que espera para o segundo semestre?
Depois de setembro teremos brotes epidêmicos, que são pequenos surtos em determinadas localidades, sem alcance tão largo como esse primeiro. Vamos assim até o dia em que tivermos uma vacina.
Está otimista com a possibilidade de uma vacina no curto prazo?
Acredito que no primeiro semestre do ano que vem teremos uma vacina em escala global. No começo, para os públicos-alvo, mais vulneráveis às formas mais graves da doença, até o momento em que a gente tenha condições de vacinar todo mundo.
O senhor foi demitido do governo com a popularidade em alta e já apareceu bem posicionado em uma pesquisa para a eleição presidencial de 2022. Vai se candidatar?
Minha geração é marcada por desafios, mas precisamos trabalhar um conceito anterior à escolha de um candidato. Hoje, o PT vive do Bolsonaro, enquanto o Bolsonaro vive do PT. Parece até jogo combinado, e aí eles fazem seus cercadinhos de votos, vão para o segundo turno e nos deixam, nós que somos pessoas mais do diálogo, presos numa situação em que somos obrigados a votar no menos pior. Temos nomes que podem chegar com boas condições para concorrer à Presidência em 2022. O Sergio Moro, por exemplo, é um deles. Mas ainda não é hora de discutir esses nomes.
Redação Tem com VEJA