- Jornalismo
- 7 de abril de 2020
China ameaça corte no comércio se bolsonaristas insistirem em hostilidades
Embaixada da China deixou claro seu descontentamento com declarações de membros do governo.

“Não adianta ficar atiçando um país que só quer o bem do Brasil”. A declaração é do chefe da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, Charles Andrew Tang, que se diz preocupado com a sucessão de atritos na relação entre os dois países em meio à pandemia do novo coronavírus, causados por comentários de pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Na avaliação do empresário, “esse acúmulo de feridas realmente pode levar a decisões mais sérias por parte do governo chinês”.
A Embaixada da China também deixou claro seu descontentamento e, em recado ao governo brasileiro, citou em nota hoje haver “influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais”. O país asiático é o maior parceiro comercial do Brasil no mundo.
Em relação à soja, por exemplo, o papel da China é fundamental. Somente no ano passado, o país comprou quase 80% de toda a produção da commodity produzida em solo brasileiro. O mesmo ocorre com o frango e a carne suína. Uma eventual retração de investimentos atingiria em cheio o agronegócio, um dos segmentos que mais apoiam Bolsonaro.
O motivo mais recente para indignação chinesa foram os ataques ofensivos do ministro da Educação, Abraham Weintraub. No último sábado, em postagem no Twitter (que ele apagou depois), o auxiliar do presidente usou o personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, para ironizar a China, onde teve início o alastramento do coronavírus.
A mensagem em tom de deboche insinuava que a crise mundial beneficiava o país asiático. A acusação, que não foi acompanhada de provas, causou “forte indignação e repúdio” na diplomacia chinesa, segundo nota da embaixada.

Para o governo chinês, as declarações de Weintraub são “difamatórias” e têm “cunho fortemente racista”, além de “objetivos indizíveis”. “Instamos que alguns indivíduos no Brasil corrijam imediatamente os seus erros cometidos e parem com acusações infundadas contra a China.”
No mesmo sábado do post de Weintraub, o Ministério da Agricultura chinês anunciou que pretende reduzir, “por questão de segurança”, as importações de soja brasileira e ampliar as dos EUA.
Hoje, o ministro disse que pode pedir perdão caso a China se comprometa a fornecer respiradores ao Brasil.
Maior produtor de equipamentos de saúde
O chefe da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China afirmou que o país asiático, além de ser o maior parceiro comercial do Brasil, é responsável por produzir mais de 90% dos equipamentos de saúde em escala global. Ou seja, para realizar investimentos a fim dea melhorar a estrutura de combate ao coronavírus no Brasil, Bolsonaro dependeria de uma boa relação com os chineses.
“Nessa guerra atual contra o vírus, o mundo inteiro depende da China. Os Estados Unidos, por exemplo, mandaram aviões para buscar ventiladores. Mesmo que se decida por produzir localmente equipamentos fundamentais para enfrentar o coronavírus, como os respiradores, as peças e componentes de produção vêm da China também.”
Charles Andrew Tang ressaltou a importâcia da experiência chinesa no combate ao coronavírus. “A epidemia foi derrotada na China em quatro meses. Não é hora de países ficarem trocando acusações. Não é o momento mais inteligente para criar problemas uns contra os outros, e sim estarmos juntos contra um inimigo em comum”, disse.
Ele afirmou ainda esperar do Brasil uma atitude mais firme no sentido de apaziguar a relação – assim como embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, que escreveu no Twitter que aguarda uma declaração oficial do governo brasileiro em relação à atitude de Weintraub.
Eduardo Bolsonaro e o Partido Comunista
Os ataques de Weintraub não foram a primeira “ferida” causada por atitudes de personagens ligados ao governo. Filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por exemplo, chegou a dizer que a culpa pela pandemia era do Partido Comunista Chinês.
O gesto foi rebatido pelo embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, que considerou as declarações do parlamentar um “insulto” capaz de “ferir a relação amistosa” entre os dois países.
Coube ao pai de Eduardo apagar o incêndio. Bolsonaro ligou para o chefe de estado chinês, Xi Jinping, para se desculpar e buscar um alinhamento no combate ao covid-19.
“Não acho que seja uma política oficial do governo, tanto que Bolsonaro, da última vez que teve um problema sério, ligou para o Jinping e esse telefone, essa conversa entre os dois, deixou o problema ultrapassado. Mas é claro que toda ferida machuca, e o acúmulo de feridas pode provocar um machucado grave para o Brasil”, afirmou Tang.
O empresário lembrou ainda que a China teve uma participação fundamental na economia brasileira nos últimos anos. “Não só a China é o maior parceiro comercial do Brasil, como tem ajudado demais no passado e no presente. Na pior fase da crise econômica brasileira, há três ou quatro anos, a China ajudou com investimentos de infraestrutura. Do fundo criado com a ajuda da China, R$ 15 bilhões dos R$ 20 bilhões eram de investimentos chineses.”
Segundo ele, “quando a Petrobras estava no fundo do poço, a China emprestou mais de R$ 15 bilhões e ajudou o país a sair mais cedo da crise. Foi assim que centenas de milhares de brasileiros mantiveram seus empregos.”
‘Insanidade e irresponsabilidade’
O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, afirmou que a postura de Weintraub no enfrentamento com a China pode comprometer parcerias do agronegócio com o país asiático.
“Poderemos em breve ter comprometidas as parcerias do agronegócio com o Brasil, favorecendo outros países”, afirmou Pinato. “Isso beira a insanidade e a irresponsabilidade com o setor do agronegócio.”
Setor produtivo se diz despreocupado
Já o presidente da Aprosoja Brasil (Associação Brasileira de Produtores de Soja), Bartolomeu Braz Pereira, disse que não há “preocupação” do setor com um eventual estremecimento nas relações diplomáticas com a China.
“Não vejo nenhuma situação que venha a afetar o mercado de uma maneira ou outra”, afirmou Pereira, sobre os últimos acontecimentos diplomáticos.
Segundo ele, a capacidade de exportação de soja dos Estados Unidos não é suficiente para que a China substitua o fornecimento brasileiro do grão pelo americano.
“Nós continuaremos sendo um grande produtor mundial de soja”, disse Pereira. “Nossa expectativa é aumentar a exportação em 10% para a China nessa safra.”
Redação Tem com Folhapress