Após ser assassinada, Marielle sofre com divulgação de boatos na internet

Crimes cibernéticos estão sendo monitorados e "bandidos da web" podem até ser presos

Se você contar essa notícia para algum cidadão de um país mais desenvolvido que o Brasil, certamente, ele não irá acreditar, aliás, parece uma notícia inacreditável, mas é verdade, após ser assassinada cruelmente, junto de seu motorista no Rio de Janeiro, a vereadora e sua família estão sofrendo ataques vindos de boatos criminosos na internet.

Nem mesmo a família e os amigos tiveram tempo para enterrá-la quando os boatos começaram a surgir na web. Quem seria capaz de cometer um crime desses? Seria por puro prazer? Ou que pode estar por trás, quando cria e divulga uma mentira aterrorizante na internet contra alguém que não conhece? O que faz alguém compartilhar a mentira sem ao menos pesquisar? São tantas as perguntas, que a maioria das pessoas de bem – uma vez que os “criminosos da web” não são a maioria – ficam atônitas.

Vamos apresentar alguns dos boatos que estão surgindo na internet, a Polícia Federal e Civil do Rio de Janeiro está na busca de encontrar os responsáveis, que podem, inclusive, ser presos e responder por crimes contra a honra, sendo injúria, calúnia e difamação.

MARIELLE, ENGRAVIDOU AOS 16 ANOS?

FALSO: Morta na última quarta-feira (14), Marielle tinha 38 anos de idade e uma filha de 19, chamada Luyara Santos. Isso significa que ela engravidou entre os 18 e 19 anos — e não aos 16.

EX-ESPOSA DE MARCINHO VP?

FALSO: Conforme já mostrou o site Boatos.org, Marielle nunca foi casada com ex-traficante — seja lá qual Marcinho VP a corrente de WhatsApp insinua ser. É que existem dois Marcinhos: Márcio Amaro de Oliveira, traficante carioca que atuava na favela Santa Marta, em Botafogo, zona sul do Rio, e Márcio dos Santos Nepomuceno, traficante carioca do Complexo do Alemão, zona norte da capital fluminense.

O primeiro morreu em 2003, dentro do presídio de Bangu 3, e é o personagem central do livro “Abusado”, do jornalista Caco Barcellos. Integrante do Comando Vermelho, estava preso desde abril de 2000, quando foi encontrado no Morro do Falet, no Rio Comprido, zona norte do Rio. Ele estava foragido desde 1997 fora do Rio. Ou seja, a cronologia não bate: na época de sua prisão, Marielle tinha em torno de 20 anos, já tinha uma filha e estudava em pré-vestibular comunitário na Maré. Antes disso, ele sequer estava no Rio.

O Marcinho VP menos midiático é Márcio dos Santos Nepomuceno, preso desde 1997. Foi capturado em Porto Alegre, mas, desde então, também já esteve em Mossoró, no Rio Grande do Norte, e em Catanduvas, no Paraná. A data e os locais também inviabilizam a narrativa de que Marielle fora casada com o traficante.

Até uma imagem tem sido distribuída nas redes afirmando ser de Marielle e algum dos Marcinhos VPs. No entanto, ela não retrata nenhum dos dois. Um leitor enviou à equipe o rastro original da imagem: um fotolog com uma publicação de 13 de agosto de 2005. Alguém roubou a foto do fotolog em questão.

Montagem foi divulgada na internet / TemArte

Foi eleita pelo Comando Vermelho?

FALSO: O Complexo da Maré, onde Marielle se criou, é dominado por duas facções criminosas rivais: o Comando Vermelho, que detém o poder de regiões como Nova Holanda e Parque Maré, e o Terceiro Comando Puro — que se concentra em regiões maiores, como a Baixa do Sapateiro, a Vila do Pinheiro, a Vila do João. Há também regiões dominadas por milícia, mas são minoritárias.

Marielle mantinha fortes laços sobretudo na Baixa do Sapateiro, no Morro do Timbau e no Conjunto Esperança, onde passou sua infância, juventude e vida adulta — e onde o domínio NÃO é do Comando Vermelho.

Trata-se de uma comunidade que, com a ausência de policiamento e de políticas do Estado, está conflagrada. As duas facções criminosas disputam o local — e o TCP parece estar em situação mais favorável.

No entanto, não há qualquer nexo entre a disputa de territórios do CV na Maré e a eleição de Marielle. A vereadora foi eleita com 46,5 mil votos, dentre os quais apenas 1,6 mil foram de eleitores da Maré e arredores. A informação é do jornal Extra e demonstra que outros candidatos das favelas não conseguiram se eleger para a Câmara de Vereadores sem os votos de outras regiões da cidade. Para se ter uma ideia, o Complexo da Maré tem mais de 130 mil habitantes, segundo o Censo 2010.

O eleitorado de Marielle, segundo mapa do jornal O Globo com base em dados do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, se concentrou sobretudo nas zonas eleitorais do Leblon e da Gávea, de Copacabana e de Copacabana, Ipanema e Lagoa — regiões ricas da cidade. Botafogo, Urca, Humaitá e Jardim Botânico também tiveram forte participação em sua eleição, assim como as zonas eleitorais do Catete, da Glória e da Lapa, além daquelas no Maracanã e na Tijuca.

As bandeiras defendidas por Marielle vão ao encontro daquelas endossadas por movimentos que lutam pelo fim da violência perpetrada pelo tráfico e pelas incursões policiais na região. Sem UPPs (Unidades de Polícias Pacificadoras), a estratégia de combate ao crime em suas comunidades não é permanente. Policiais entram em suas favelas com regularidade em situação de conflito, o que expõe a população local e os próprios agentes da polícia. Era contra essa vulnerabilidade que Marielle militava.

Segundo dados disponíveis no TSE, a campanha à vereadora de Marielle Franco arrecadou R$ 92.193,33. 23% do financiamento veio da Direção Municipal e Estadual do PSOL, 8%, de doação da campanha à prefeitura de Marcelo Freixo e 3%, de recursos da própria candidata.

O restante da receita da campanha da vereadora foi financiado por 48 pessoas físicas. Desse total, 11 delas fizeram doação de prestação de serviço somando um valor estimado de doação de R$ 18.200. Entre as pessoas físicas que doaram mais de R$ 2 mil, estão dois professores, três pesquisadores de institutos de pesquisas, um advogado e dois funcionários estaduais. Nenhum deles é ou foi parte de nenhum processo judicial criminal, segundo os dados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro consultados a partir dos CPFs dos doadores. Os dados estão nas bases do TSE e podem ser consultados aqui.

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É inacreditável ser necessário buscar dados e informações que coisas tão óbvias, entretanto o Tem Londrina vem a público reafirmar nosso compromisso com a ética, o respeito e a incansável busca pela veracidade dos fatos em defesa da democracia e da dignidade da pessoa humana. 



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