Na ONU, discurso de Bolsonaro tem dados distorcidos e falsos

Discurso repercutiu internacionalmente.

Imagem: Reprodução/Reuters

O presidente Jair Bolsonaro voltou seu discurso na 76ª Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, nesta terça-feira (21), a investidores internacionais e ao público interno bolsonarista. Em cerca de 12 minutos, atacou a imprensa, passou informações falsas e fora de contexto sobre o combate ao desmatamento na Amazônia, enalteceu as manifestações de 7 de Setembro, e insistiu em práticas erradas no combate à pandemia de covid-19, com críticas ao lockdown e apoio ao tratamento precoce.

“Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões. O Brasil mudou, e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019. Estamos há dois anos e oito meses sem qualquer caso concreto de corrupção”, começou o presidente, primeiro chefe de Estado a falar, como manda a tradição. Porém, Bolsonaro ignora as investigações realizadas pela CPI da Covid, do Senado Federal, que apontam fraudes em seu governo nas negociações e compras de vacina contra covid-19.

Assim, ele reforçou o discurso aos apoiadores internos, que lotavam a caixa de comentários do canal oficial da ONU no YouTube. “O Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo”, disse Bolsonaro, que considera este ponto “uma base sólida” para um país que estava “à beira do socialismo” – embora o Brasil nunca tenha passado por isso.

De olho no investimento externo, ele também se preocupou em passar uma imagem positiva da situação econômica do país. Sem apresentar fontes, ele falou de um “novo Brasil”, com a “credibilidade recuperada”. No entanto, um ranking da própria ONU, divulgado em junho, mostrou que o investimento estrangeiro no Brasil em 2020 despencou para níveis de 20 anos atrás, diante da dificuldade de controlar a pandemia de covid-19 e das incertezas sobre os rumos econômicos e políticos do país, noticiou o colunista do UOL Jamil Chade. Segundo dados do próprio Banco Central, em junho, o investimento estrangeiro mensal no Brasil caiu para o menor nível em cinco anos, mas houve recuperação no mês seguinte.

Negacionismo

Em um dos trechos mais controversos do discurso, Bolsonaro insistiu sobre erros no combate à pandemia de coronavírus. A outros chefes de Estado, ele voltou a criticar o lockdown, medida já comprovada como eficaz pela ciência, e a defender o tratamento precoce, uma solução oposta, não recomendada internacionalmente.

O chamado tratamento precoce, adotado no Brasil com cloroquina e ivermectina, foi defendido por Bolsonaro durante toda a pandemia, mas já é consenso internacional que os medicamentos não só não têm eficácia contra a doença, como podem ser prejudiciais aos pacientes. O uso irrestrito de cloroquina sem o conhecimento dos pacientes tem sido, inclusive, um dos assuntos tratados na CPI.

Amazônia

Assim como nos discursos de 2019 e 2020, Bolsonaro defendeu que o governo tem trabalhado pela preservação da Amazônia —o que é mentira. Entre outros dados, repetiu que o país usa apenas 8% de seu território para a agricultura, o que é um número enganoso. No final de 2017, um estudo da Nasa apontou que o país usa, de fato, apenas 7,6% de seu território com lavouras. Mas esse percentual não inclui, por exemplo, o território usado para a pecuária, uma das principais fontes do desmatamento amazônico nas últimas décadas. Um dos braços da ONU, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), aponta que em 2017 o Brasil usava 235,9 milhões de hectares para agropecuária, o que significa 28,2% do território nacional.

Bolsonaro disse que o desmatamento caiu 32% apenas em agosto. Na verdade, entre janeiro e agosto de 2021, o desmatamento foi de 6.026 km² —queda de 32% em relação ao mesmo período no ano anterior. Porém, o dado foi apresentado sem contexto, já que o valor é quase o dobro do registrado entre janeiro e agosto de 2018, antes do início desta gestão, de 3.336 km². Durante o discurso, Bolsonaro omitiu que entre agosto de 2019 e julho de 2020 a exploração de madeira na Amazônia foi quase três vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Ao menos 11% da exploração ocorreu em áreas protegidas.

Atos de 7 de setembro

No fim do discurso, Bolsonaro também mentiu ao afirmar que os atos golpistas que liderou no feriado de 7 de setembro foram a “maior manifestação” da história do Brasil. Não há dados consolidados que corroborem tal afirmação, e as informações disponíveis apontam para o contrário.

Em São Paulo, por exemplo, o ato reuniu 125 mil pessoas, segundo o governo paulista. Segundo o Datafolha, o maior ato político registrado na cidade foi o protesto pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, com a presença de cerca de 500 mil pessoas.

Repercussão internacional

O jornal americano “The New York Times” destacou o tom “desafiador” do presidente brasileiro ao rebater críticas sobre seu governo. A reportagem também deu ênfase ao discurso favorável de Bolsonaro para o uso de medicamentos não eficazes contra a covid-19 e a forma com que ele lidou com a pandemia no país.

O site do português “Diário de Notícias” chamou a fala de Bolsonaro na ONU de “discurso radical” e avaliou que o presidente brasileiro tentou agradar, “sobretudo, à sua base de apoio interna”. A publicação ressaltou, no entanto, o trabalho de agências de checagem que desmentiram trechos do discurso.

O site do jornal britânico “The Guardian” publicou em uma transmissão em tempo-real do discurso de Bolsonaro que o presidente brasileiro se provou uma “figura controversa” durante a pandemia, minimizando os impactos do vírus e recusando-se a ser vacinado.

Redação Tem com UOL



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