Alunos indígenas da UEL traduzem livro de ciências para crianças e jovens

Capa do livro havia sido publicado nas línguas indígenas tukano, baniwa, huarpe, nheengatú e yanomami – Foto: Agência UEL

Três estudantes indígenas da Universidade Estadual de Londrina (UEL) traduziram o livro “Brilhos na floresta” para o kaingang e o guarani. A versão kaingang foi traduzida pela estudante Damaris Kaninsãnh Felisbino, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL), do Centro de Letras e Ciências Humanas (CCH). A obra em guarani foi traduzida pelo estudante de Medicina Rodrigo Luís e pela estudante do curso de Psicologia, Ana Lúcia Ortiz Martins.

“Quando peguei o livro e vi na escrita da minha língua materna, foi maravilhoso. Aprendi a escrever e ler guarani na escola indígena. Ver um livro em guarani – depois de ouvir de alguns professores não indígenas de que minha língua materna não era importante – significou muito”, afirma Ana Lúcia Ortiz Martins, estudante do primeiro ano de Psicologia. “Fiquei muito honrada de poder traduzir um livro na minha própria língua materna, principalmente por ser história de um parente indígena – Baniwa. É uma oportunidade de registrar e mostrar umas das línguas indígenas presentes no Brasil”.

A reação do estudante Rodrigo Luís, terceiro ano de Medicina, é parecida com a de Ana Lúcia. “A tradução significou muito para mim, pois sou falante da minha língua materna e posso repassar para meu povo guarani. A história contada neste livro é muito real, porque a gente vê [brilhos] na aldeia, mas não sabemos o que é. Na verdade, é um fungo que brilha à noite. Entender isso foi ótimo”, comenta o estudante Rodrigo Luís.

A mestranda em Estudos da Linguagem Damaris Kaninsãnh Felisbino afirma que traduzir o livro foi um prazer. “Até porque nós temos pouquíssimos materiais na língua. Fiquei impressionada com a história que é real! Por aqui, nunca vi esses brilhos, mas meu marido disse que já viu. Fiquei curiosa”, afirma ela. “Saber que as crianças daqui irão ler é um motivo de felicidade, de poder saber que existem cogumelos que brilham! Estou ansiosa para poder ler com as crianças na sala de aula”.

Línguas

“Brilhos na Floresta” é de autoria de Noemia Kazue Ishikawa, Takehide Ikeda, Aldevan Baniwa e Ana Carla Bruno. O livro já havia sido publicado nas línguas indígenas tukano, baniwa, huarpe, nheengatú e yanomami. Além dessas línguas, o livro tem edição em português, inglês, japonês, espanhol e francês. Além de formada em Ciências Biológicas pela UEL, Noêmia Ishikawa foi professora colaboradora da Universidade.

Desde 2004, a bióloga é pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e seu foco de pesquisa são os cogumelos da Amazônia. Ela cita o professor Moacyr Medri, como sua fonte de inspiração para ir à Amazônia. Medri, doutor em Botânica, atuou no Centro de Ciências Biológicas (CCB), da UEL, entre os anos de 1980 e 2012. Em 2016, ele lançou o romance “Travessia: a felicidade não mora ao lado”, pela editora Schoba.

Conforme Noêmia Ishikawa, o livro “Brilhos na floresta” conta a história de Aldevan Baniwa, um indígena da região da Cabeça do Cachorro, no Amazonas. Ele leva dois amigos cientistas (Noêmia e Ikeda) para conhecer fungos que brilham na floresta. “Os cientistas ficaram encantados com o que vêem e juntos resolvem escrever o livro para que pessoas do mundo todo conheçam melhor o fenômeno da bioluminescência dos fungos”, explica Noêmia Ishikawa. “O objetivo em fazer as traduções é produzir mais literatura e materiais didáticos nas línguas dos povos indígenas. Fala-se muito em valorizar as línguas indígenas, mas há uma carência grande em literatura nas línguas indígenas”.

Ciência

A tradução para o kaingang e o guarani foi realizada por intermédio do professor Marcelo Silveira, do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas, do CCH, que apresentou os três estudantes indígenas da UEL à Noêmia Ishikawa. “Fiz o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas na UEL e eu segui carreira na área de pesquisas, mas acho que os ensinamentos da licenciatura ficaram bem firmes na minha formação”, afirma a pesquisadora.

Ela diz que começou a escrever livros infanto-juvenis por ver que os alunos chegam à graduação e à pós-graduação, com pouco conhecimento sobre a biodiversidade da Amazônia e sobre os fungos. “Acho que há um ciclo. Os alunos não sabem porque os professores não ensinam. Os professores não ensinam porque não ensinaram a eles. E, principalmente, porque há poucos livros sobre esses assuntos no Brasil. Então comecei com o livro ‘A Embaúba: uma árvore, muitas vidas’”, comenta a pesquisadora.

A publicação de um livro que trata fungos aliando literatura à ciência, e traduzido para línguas indígenas, pode ser considerado um elemento de popularização da ciência. “Encaro essa popularização como um dever, uma prestação de contas com a sociedade. Antes da tradução em diversas línguas, traduzir as descobertas para uma linguagem mais popular é necessária. Não é uma tarefa fácil”, admite a pesquisadora. Ela lembra que esse trabalho foi um dos 10 projetos finalistas do Prêmio Jabuti de 2020, no Eixo Inovação em Fomento à Leitura.

Redação Tem com Agência UEL



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