Chatô, Mussolini, Musk e Zuckerberg

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Artigo de Fábio Silveira

Junto com 2024 acabei a leitura de “Chatô: o Rei do Brasil”, a biografia do magnata da imprensa brasileira do século XX, Assis Chateaubriand, escrita por Fernando Morais, que completou três décadas do seu lançamento no ano que passou. Desde que me tornei professor universitário, há 20 anos, tropeço com exemplares deste livro nas bibliotecas das instituições em que leciono/lecionei (o exemplar que acabo de ler foi emprestado na biblioteca da UEL). Não sei por que não li este livro antes. Na verdade até sei. Nasci dois anos depois da morte de Chatô (que morreu em 1968). E, como bem observa Morais, o império dos Diários Associados começou a morrer antes do seu dono. No começo da ditadura militar, na década de 1960, quem passou a liderar a lista dos veículos beneficiados pelo governo foi o Grupo Globo, de Roberto Marinho – e não que os outros veículos não tenham se beneficiado de verbas públicas e se beneficiam até hoje, embora defendam austeridade fiscal (austericídio) com o bolso dos mais pobres. Aliás, como mostra Nelson Werneck Sodré em “História da imprensa no Brasil”, o jornalismo nacional nasceu dependente do Estado: a Gazeta do Rio de Janeiro começou a circular em 1808 e era impressa nas máquinas da Impressão régia, trazidas para o Brasil junto com a corte portuguesa).

Enfim, digo isso para ressaltar que o “Cidadão Kane” da minha geração foi Roberto Marinho e não Chateuabriand. Na linguagem das novas gerações, no tempo de vida da minha geração Marinho passou Chatô na condição de “hate” preferido, numa mudança geracional. Mesmo assim, Chateaubriand é uma das figuras fundamentais para compreender o Brasil e a imprensa brasileira no século XX. Ele foi dos jornais impressos ao rádio e por fim a televisão, sendo o primeiro a instalar um canal de TV no país.

Voltemos ao biografado: Chatô conspirou em 1930, 1932, 1937, 1945 e em 1964. Conseguiu arrancar de Getúlio Vargas, durante a ditadura do Estado Novo, uma mudança no Código Civil só para se vingar de uma de suas mulheres, no que ficou conhecido como a “Lei Teresoca” (decreto de Getúlio Vargas). Foi nesse episódio que Chateaubriand fez a frase que resume a sua mentalidade e a das elites brasileiras: “se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei”. Com essas viradas de mesa conseguiu dois mandatos no Senado, um pela Paraíba, outro pelo Maranhão. Conchavos que demonstram seu poder desmedido. Foi simpatizante do fascismo, mesmo depois da queda do nazi-fascismo. Quando considerava necessário até inventava “fatos” contra seus desafetos. Teve poder de mais e escrúpulos de menos.

Pouco restou do poder do império de Chateaubriand. O império dos Marinho e sua capacidade de manipular a opinião determinando quem fala e quem cala no debate público continua forte e parece longe de ruir, embora esteja longe do poder que tinha no fim do século XX e no começo do XXI. Na década em que vivemos os herdeiros de Willian Randolph Hearst (o magnata que inspirou Charles Foster Kane, o já cidadão Kane) atendem por sobrenomes como Musk e Zuckerberg. A falta de escrúpulos é a mesma do antecessor. Musk apoia neonazistas na Alemanha, a extrema-direita no Brasil e golpes de Estado onde lhe interessar e está no governo de Trump, que também não está muito longe do neonazismo. Zuckerberg, que já tinha maus antecedentes (vide o escândalo da Cambridge Analytiuca), demonstrou nesta terça-feira de janeiro de 2025 que está disposto a agradar os fascistas estadunidenses, liderados por Trump, ao acabar com a checagem de notícias falsas em suas redes sociais.

Neste século XXI os vilões com maior poder para controlar a opinião pública não moram mais no Brasil e nem falam português. Um eloquente sinal dos tempos obscuros e obscurantistas que vivemos…

PS: no noticiário desta terça-feira marcada pela morte do extremista francês Jean-Marie Le Pen, o fascismo do século XXI manda lembranças. Destacam-se os arroubos de um quase empossado Donald Trump falando em controlar o Canal do Panamá e a Groenlândia e em anexar o Canadá (o que começou em tom de piada, mas parece estar se tornando uma conversa séria). Há menos de 100 anos um líder europeu começou anexando a Áustria em nome do “espaço vital” do seu país. O nome dele era Adolf Hitler, personagem que dispensa apresentações, assim como a sua história.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Tem Londrina.

Fábio Silveira