Nóis é brava gente – Por Fábio Silveira

Imagem: Reprodução/MTST

Não gosto de fazer listas de top algum número, mas um dos livros mais importantes que li em minha vida foi “Comunidades Imaginadas”, de Benedict Anderson, que encontrei na bibliografia do programa de pós-graduação em História da Unesp/Assis. Adotei em minhas bibliografias fundamentais, aquelas que estão sempre na manga na hora em que o caldo entorna.

Desse livro me interessa muito a tese de Anderson de que os estados nacionais são fruto, dentre outras coisas, de um capitalismo editorial que imprimia em línguas vernáculas, esvaziando o monopólio do latim sobre a palavra escrita. Esse foi um dos pilares a partir dos quais se organizaram essas “comunidades imaginadas” que são as nações. Como diz o título, são comunidades imaginadas, construídas socialmente. Hannah Arendt, por sinal, trata a política como uma construção humana, já que a política não está dentro de nós (não somos o animal político, como diria Aristóteles), mas entre nós.

Dito isso, sou brasileiro e simpatizo com a Argentina (minha bisavó era hermana). Mas não babo na gravata pelo verde e amarelo. Uma nação é muito mais que uma combinação de cores, seus símbolos, suas datas. Uma nação é principalmente o fator humano, seu povo. Não adianta ser “patriota”, idolatrar os símbolos da nacionalidade e odiar o povo – esse é um patriotismo vazio.

Talvez por isso o 7 de setembro não me diga muita coisa. Como mostra o quadro de Pedro Américo, um retrato retroativo e idealizado do grito às margens do Ipiranga (não o posto, o riacho – que se fosse em Londrina seria um “corguinho”), pintado décadas depois de 1822, o povo esteve fora do 7 de setembro, aquele dia em que o filho do rei de Portugal declarou a Independência e se tornou imperador do Brasil – vamos fazer antes que o povo o faça, não? Manteve a escravidão – aliás teve que fazer um acordão com os escravocratas, com tudo – e como a maioria dos governos brasileiros, virou as costas para o povo. A propósito, quando acabou a escravidão (ao menos oficialmente, pois seus cacoetes e cicatrizes estão por toda parte), acabou a monarquia. Por isso o povo não se vê no 7 de setembro, exceto por essas “festividades cívicas” forçadas e artificiais.

Até já desfilei no 7 de setembro. Foram duas oportunidades: uma em Porto Alegre, em 1976, em plena vigência do AI-5, na inocência dos meus 6 anos de idade, vestido de “soldadinho do Brasil” para “construir a nação” (era o tema da manipulação escolar do jardim de infância do então Grupo Escolar Ceará, hoje Colégio Estadual, em Teresópolis). Manipulado pela ditadura sem saber. Quem é que doutrina as crianças mesmo? A segunda foi em Santos, em 1984, ano das “Diretas Já”. Estufei o peito, com um orgulho artificial, que não consigo mais reproduzir – a essa altura eu já tinha compreensão suficiente para ter ódio e nojo à ditadura.

Tenho uma terceira lembrança de meus encontros com essa pátria oficial e artificial. Me alistando para o serviço militar na Marinha, diante de um sargento furioso (e aparentemente fanático) esmurrando a mesa de raiva diante da minha resposta de que serviria melhor a pátria cursando jornalismo do que fardado. Talvez porque nossas concepções de pátria fossem diferentes…

No fim, me dou conta de que sou brasileiro, nem sempre com muito ou algum orgulho, mas sem complexo de vira-latas. É a partir deste lugar que vejo o mundo, é aqui que estão minha construção como ser humano e minhas referências culturais. Se nem sempre consigo estar “de bem” com o Brasil, com o povo brasileiro é diferente. Desse sim eu tenho muito orgulho, por ele tenho muito amor e dele eu faço parte. É um povo batalhador, espoliado há séculos, sempre pagando aquele pato que a Fiesp disse que não pagaria e de fato não pagou – mandaram o boleto para o povo. Me considero profundamente arraigado, parte desse povo que é excluído do seu país e da sua nacionalidade (imaginada) e que como diria Cazuza, nunca é convidado para a festa: fica na porta estacionando os carros. Mas teima em resistir e sobreviver.

Viva não o 7 de setembro, mas o povo brasileiro. Nóis é brava gente!!!

Texto de Opinião do jornalista Fábio Silveira.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Tem Londrina.

Fábio Silveira