Pet shop mundo cão
Opinião de Fábio Silveira
No começo dos aos 1980 o cantor Eduardo Dusek surpreendeu com o ‘Rock da cachorra’, que iniciava com o verso “troque seu cachorro por uma criança pobre”. Com ironia, dizia que “esse é o rock pra minha cachorra chamada sua mãe” e chamava atenção para o fato de que, já naquela época, cachorros de ricos tinham vida melhor que a de muitos brasileiros.
Bem diferente do tom da década anterior, quando Waldick Soriano emplacou “eu não sou cachorro não / pra viver tão humilhado” – a música é de 1972.
Os anos se passaram e já no fim dos anos 1990 era possível ver cenas patéticas como a de uma socialite carioca fazendo festa luxuosa para comemorar o aniversário da sua cachorra.
No começo do século XXI vieram as redes sociais, os antigos animais de estimação passaram a ser chamados de “pets” e alguns até ganharam perfis nas tais redes. Claro que isso chegaria na política. Na Câmara de Londrina a agenda pet se tornou um forte cabo eleitoral a partir da década de 2010. E por mais que provocasse estranhezas, gerou políticas públicas relevantes, como a implantação do castramóvel, que, pelo menos na percepção que tenho em meus restritos deslocamentos na cidade, parece ter reduzido um problema de saúde pública que era a grande quantidade de animais domésticos abandonados. Não tive acesso a nenhum estudo, mas segundo meu datapadaria, ou ao menos na minha vista o problema parece ter diminuído.
Sempre tive a impressão de que entre humanos e cachorrinhos e gatinhos fofos os políticos eleitos com essa agenda ficariam com os pets. Claro que dependendo dos humanos em questão para fazer o contraponto. Seres humanos proprietários certamente são visíveis para a pequena política dos legislativos municipais – estaduais e federal também. E nisso tem o zeitgeist, o espírito do tempo: o neofascista Donald Trump tem radicalizado nos primeiros 10 dias de seu mandato, a visão de que existem seres humanos descartáveis, corpos passíveis de serem mortos ou deportados acorrentados como animais não domesticados.
O projeto do vereador mais votado de Londrina em 2024, Deivid Wisley (Republicanos), que quer criminalizar a esmola na cidade é miseravelmente raso. A argumentação dele para defender a proposta é puro suco do senso comum mais rebaixado, vendido na xepa dos programas policiais. Diz a excelência que o dinheiro das esmolas vai para a compra de droga e o bloqueio das esmolas faria com que a pessoa procurasse emprego. Uma saída simplista para um problema complexo. O viés do projeto dialoga com o tom higienista do prefeito interino (se com um mês de gestão a Secretaria de Educação tem uma ocupante interina, só posso concluir que o prefeito também é interino), com seu “choque de ordem”, que pelo nome, dá a entender que abordagem às pessoas em situação de rua passaria do corte social para o policialesco.
A proposta de criminalizar a esmola apenas contribui para piorar ainda mais esse ambiente em que se naturaliza a possiblidade de descartar as pessoas em situação de rua. É claro que a esmola não resolve. Mas o vereador não tem nenhuma outra ideia para resolver um problema que é grave. Seu projeto e seu discurso sequer arranham a superfície da questão.
O projeto mostra que entre cães e humanos pobres, a prioridade é para os cães. Foi o que sempre desconfiei a respeito da bancada da agenda pet. De minha parte, entre Waldick Soriano e Eduardo Dusek, cravo na terceira via, com Zeca Baleiro: no álbum “Pet Shop Mundo Cão”, de 2002, ele conta que “Já tenho um filho e um cachorro”, na canção com o mesmo nome. De minha parte, não tenho filho, nem cachorro. Mas defendo que todos os animais devem ser tratados com dignidade. Humanos inclusos.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Tem Londrina.
Redação Tem Londrina